domingo, 3 de junho de 2018

Uma história

A filha chega em casa no horário costumeiro após o trabalho, a mãe está distraída, porém ouve o pai dizer: "Boa noite filha, o que foi que houve? Está tudo bem?" Imediatamente o coração da mãe palpita, evita encarar a filha para não ver seu rosto com problema, pois isso lhe dói e precisa se poupar de sofrimento, senta-se devagar e ao lado assiste a conversa entre os três (o irmão também está presente, ainda bem), todos os que mais se importam naquele núcleo estão ali e atentos àquela jovem. Ela está assustada, decepcionada e triste com o que lhe ocorreu; conta-lhes que naquela tarde mudou o local costumeiro onde espera o ônibus após o trabalho, ela e os amigos achavam-se protegidos por estarem em três, no entanto isto não inibiu os assaltantes de roubaram-lhes os pertences, ela a princípio foi poupada porém os assaltantes retornaram e a sensação de uma mão em seu pescoço com uma faca e o olhar de medo dos amigos foram indescritíveis, fizeram-na ficar paralisada e efetuar a entregar do aparelho celular que acabara de comprar. Todos a abraçam e Ela ainda ansiosa por falar diz: - Mãe, os assaltantes estavam bem vestidos, acima de qualquer suspeita, limpos, cheirosos, ainda sinto o cheiro do perfume dele próximo a mim, estranha, inexplicável sensação, incrível o medo que senti em questão de segundos, meus amigos choraram muito e um deles quando viu o assaltante voltando pensou que era porque o aparelho dele um Ifone é difícil desbloquear e os assaltantes não gostam, ele soube inclusive que pessoas foram esfaqueadas por isso. Esse meu amigo está muito arrasado e traumatizado pois como se não bastasse ele sofre de depressão. - E você filha como está? - Depois que entrei no ônibus é que veio a tremedeira e o choro da violência emocional que sofri, porém graças a Deus estou aqui, bem e com Vocês. Braços estendidos, Sorrisos de alívio, mais abraços, choro. A mãe desolada, tomada pela tristeza por não saber, não ter o que fazer para proteger-se e proteger sua família, o pai e o irmão também visivelmente abalados, se sentindo impotentes mediante a violência que todos estão sujeitos. Repentinamente o irmão providência-lhe um chá com ervas que acalmam, o pai abre um chocolate com poderes mágicos, e mais abraços são trocados. Aos poucos a dor é aliviada, as almas ficam mais leves, a filha lamenta pois terá que pagar por um aparelho celular que não chegou a usar. Pai e mãe lembram e relatam assaltos que sofreram, o pai recorda especialmente de um, quando estava com um dinheiro extra que lhe permitia comprar uma aliança nova para sua mãe, e a indignação que ficou, da raiva sentida na hora, momentaneamente a revolta retorna exasperado fala que ainda bem que não tinha uma arma, pois naquela hora não sabe o que faria, momento este que a filha apesar de todo sentimento que sentia falou: - Não pai, um aparelho celular, aliás não há objeto que valha a vida de uma pessoa, nem toda a raiva justifica a morte de alguém, não sabemos as circunstâncias que o levaram a fazer algo assim. Todos se entreolham e agradecem a sua sensibilidade, por lembrar-lhes seus valores. A mãe lembra-se especialmente de um assalto que sofreu há vinte anos, ou seja, concluem que a violência ocorre não é de hoje. Há um verdadeiro colóquio. Surgem críticas à política de segurança praticada há anos no país, e que comprovadamente não funciona, não reduz a violência, fala-se sobre questões sócio-culturais e a ineficiência do Estado, das políticas educacionais e etc. A conversa flui por horas como alguns dias não ocorria, fala-se de sentimentos, como medo, insegurança, de formas de enfrentamento dessas questões, fala-se do amor pelo país, da vontade de apesar de tudo jamais sair do Brasil; a não ser que o porte de armas seja liberado, concluem que este é um bom motivo para procurar um outro lugar. Há uma viagem em vista, planeja-se dar um jeito e ir todos, há um sentimento de unidade, de união, de amor, manifesta-se a vontade de fazer algo muito bom juntos e uma viagem é sempre algo prazeroso, capaz de ocupar a memória com imagens e boas sensações que suplantam outras não tão boas. Isso bora fazê-la acontecer.

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