sexta-feira, 31 de março de 2017

Uma história triste

Uma história real, triste. Em um dia de março de 1999, (me benzendo agora para que não se repita), na Rua das Laranjeiras, Flamengo-Rio, fui vítima da famosa "saidinha de banco". Em plena luz do dia me vi cercada por três assaltantes que discretamente me mostraram as armas, instantaneamente me senti acuada como um animalzinho cativo, em choque abri minha bolsa onde suas garras ávidas, pegaram o dinheiro, lembro de suas caras drogadas, do riso sem dentes ou quebrados. Isso feito, sumiram imediatamente. Poucas vezes chorei da forma como chorei, me senti absolutamente só, vulnerável, uma ninguém, pois apesar de várias pessoas assistirem a cena (porteiros dos edifícios, técnicos da Cia de energia que estavam praticamente ao lado e transeuntes vários), frustrada pensava porque ninguém faz nada, um grito sequer? (Hoje entendo, o que fazer ante a ameaça de uma arma?) Completamente desconsolada, apareceu um policial que fazia ronda no bairro e solícito falou-me: "Foi agora Senhora? Vou pegar Eles, a Senhora reconhece?"  Descrevi,  e com a arma na mão começou a abordar todos os jovens negros que passavam, lembro de suas caras assustadas, do medo estampado, as mãos trêmulas procurando a Identidade, da adrenalina que exalava do policial, da tensão e cansaço em seus olhos, do desejo de cumprir seu papel, me proteger, prender os assaltantes. E recuei, pensei e falei: "Seu policial agradeço sua atenção, mas deixa pra lá, estou muito nervosa posso me confundir e cometer uma injustiça ou colocar a vida de alguém em risco." Ele falou: "Tem certeza?" Sim. "Ok, mas qualquer dia menos dia, Eles dão um vacilo e pegamos Eles, porque essa gente não vive muito tempo não. Vou acompanhá-la até sua condução". Durante o percurso conversamos entre outras coisas e ainda chorosa, falei: "Sendo policial esse tipo de coisa não acontece com você não é mesmo?" Ele: "A Senhora que pensa, dia desses, em meu carro, com minha família, o bandido colocou a arma na minha cabeça e anunciou  o assalto no sinal de trânsito, gelei, todos apavorados,  e   torci para que Ele não visse minha identificação de policial, e no menor vacilo, matei-o ali mesmo." Impressionada com o relato, com a naturalidade, falei: "mas e aí? Como é conviver com isso?" Ele falou: "Por Ele não senti nada pois um minuto antes, poderia ter sido Eu, pela mãe dele sim, naquela noite eu não dormi, fiquei pensando nela, sim, porque uma mãe chora por qualquer filho."
Esse fato me marcou, vez ou outra penso nesse policial, se Ele está vivo, quantos matou, quantas noites insones, penso também nos jovens bandidos, em sua maioria negros, favelados, marcados para uma vida curta, na desestruturação das famílias, na falta de orientação, oportunidades, na ausência do Estado,  na tragédia social que se encontra nossa sociedade, nesse período arcaico de-se tentar fazer justiça pelas próprias mãos,  no salve-se quem puder, ou se não encontrar uma bala perdida, nas mães que choram pela perda de um filho(a) em qualquer situação (e os pais também).  Assim como o policial, todos somos vítimas desse contexto, do Estado falido. Rogai por Nós, óh Pai!

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