quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Carolina

Após a leitura do livro de Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo, uma coletânea de diários escritos por ela na década de 50, eis que andando no centro da cidade do Rio de Janeiro, deparei-me com uma pessoa semelhante ao imaginário que fiz dela,  parecia que havia me encontrado. Ela me abordou e como sempre meu primeiro ímpeto foi dizer: Desculpe estou com pressa! Porém, nossos olhos se encontraram e a ouvi: Tia a senhora é como eu, olhe para mim e me entenderá, saberá o que passo, o que sinto; ninguém me enxerga tia; e chorando, olhos nos olhos continuou, já não aguento mais o sofrimento, a fome, estou com fome tia, muita, tenho fome de comida, não sei o que é um prato de comida há dias. Negra, jovem, o corpo dava para ver as veias saltadas de tão magro, cabelo desgrenhado, vestido vermelho de malha estampado de um ombro só, sem seios, pés descalços naquele asfalto quente. Pela forma de pronunciar as palavras vi que não era inculta não. Pensei: R$20,00 deve dar para pagar uma refeição. Abri a bolsa tranquilamente, peguei na carteira, sem medo algum,  o dinheiro e lhe dei. Ela pegou o dinheiro com cuidado, agradeceu e sem jeito falou: Desculpe a senhora teria mais R$4,00? Porque assim compro duas quentinhas, uma levo para minha mãe. Falei: Você não está me enganando né? Seja honesta. Ela: Não Tia essa qualidade é a única coisa que me resta, a de dizer a verdade, ser sincera. Peguei mais R$6,00 que tinha e lhe dei e falei com os olhos marejados: Acredito em você, vá se alimentar. Ainda a acompanhei com o olhar até uma lanchonete do outro lado da Av. Rio Branco antes de seguir apressada com meus afazeres e pensando: Não acredito em toda e qualquer notícia que vejo na internet,  em políticos salvadores da pátria e que fazem promessa não, mas um olhar como aquele acredito, me consterna, dá vontade de levar pra casa, dar banho, lavar-lhe os cabelos, adotar, e vê-la caminhar de cabeça erguida como um ser de Deus. Uma refeição no dia de hoje, amanhã como será? Como conseguirá sair desse círculo de fome?